segunda-feira, outubro 10, 2005

O sentido do voto

Passou-se mais um acto eleitoral e podemos ficar orgulhosos porque as eleições decorreram com normalidade, houve uma grande elevação no tom geral da campanha e no discurso de todos os candidatos, e o povo português mostrou mais uma vez a sua maturidade política, tendo a Democracia e as conquistas de Abril saído claramente reforçadas (À excepção de Amarante onde uma certa comunicação social desonesta, combinada com a ingratidão e cegueira populares incompreensíveis, não permitiram a consagração desse visionário que é Avelino Ferreira Torres, elegendo em sua vez um homem com ar de taberneiro, que para ser o Quim Barreiros só lhe falta a concertina e que ainda por cima não tem o hábito de oferecer viagens de helicóptero à malta...)
Englobo-me nesta massa anónima de votantes determinados, que imbuídos de um espírito cívico férreo se sacrificam pelo seu país gastando 10 minutos do seu precioso tempo visitando a escola secundária mais próxima para aí exercerem o seu dever.
Vejam lá que nem digeri convenientemente as tripas do almoço, tal era o aperto nas minhas próprias entranhas para consumar o meu direito e dever democrático.
Desta vez resolvi ir almoçado e com a barriguinha bem forrada, porque isto de votar em jejum, tem demasiadas semelhanças com certo exames médicos abjectos. Quando me encontro na fila a aguardar a minha vez estou sempre à espera que o chefe da mesa de voto, me ordene para baixar as calças e me faça um toque rectal em frente aquela gente toda.
Pelo visto toda a gente teve a mesma ideia que eu e as filas das diversas salas já se entrecruzavam diversas vezes.
Sou um homem de convicções fortes, aliás, sou obrigado a tomar 2 Buscopans nas crises de convicção mais graves, principalmente quando abuso dos fritos.
Estava eu no fim da fila a confirmar mentalmente a minha decisão racional, ponderada e inabalável, enumerando metodicamente os prós e os contras que me levaram a tão brilhante conclusão, quando aparece um velho amigo meu, que por acaso ía também votar na mesma sala. Conversa puxa conversa e fiquei a saber que ele era colaborador directo de um candidato de outro concelho, e que por acaso nem ía votar nesse mesmo partido!
E então eu expliquei todo o meu raciocínio lógico que me levou à brilhante conclusão de que teria que votar no candidato do tal partido, ao que ele me responde:
- Eu estive à conversa com ele e o gajo não quer ser eleito, pá! Ele diz que está tão bem no parlamento europeu, bons honorários ninguém o chateia... Já viste o que é o gajo vir meter-se nesta confusão que é a Câmara do Porto? Ele foi empurrado pelo partido...
Ao que eu respondi:
- É pá, não me digas essa merda. Eu ía votar no gajo...
E ele insiste:
- A sério meu, o gajo está-se a cagar para a eleição...
Eu ali no meio daquela multidão prestes a ter um ataque de convicções, e não é que me tinha esquecido do Buscopan.
Encharcado em suores frios, ouço o chefe da mesa de voto a pronunciar o meu nome.
Dirigi-me para o postigo e simultaneamente o meu amigo dirigiu-se para o postigo ao lado, tendo ainda tempo para me sussurar entre dentes:
- Vota em consciência.
Coloquei três cruzes tremidas noutro candidato...

3 comentários:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Isabela Figueiredo disse...

As eleições inspiram-te! Muito!

Anónimo disse...

sim senhor, felicito-o pela excelente prosápia....a do buscopan está porreira..

...supa...