quarta-feira, março 07, 2007

Vocação

A falta ou desconhecimento de vocação é a minha maior angústia.
O início da "Tabacaria" do Pessoa (fica sempre bem tratar os poetas apenas pelo apelido, como se tivessemos acabado de estar em amena cavaqueira com eles numa das célebres tertúlias da brasileira) retrata bem o que eu sinto:
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Faz anos que penso nisto e nunca chego a conclusão nenhuma, ou chego sempre a uma conclusão diferente, o que é pior.
Quando mo perguntam costumo responder maquinalmente que "Gostaria de ser líder de uma banda de rock", que é a coisa mais absurdamente sincera que eu consigo responder.

Unknown Pleasures

Puro Culto, puro anos 80.

segunda-feira, março 05, 2007

Deolinda

A Deolinda para mim era a Linda.
Recordo as suas mãos grossas retorcidas pelo trabalho, desproporcionadas naquele corpo franzino e corcunda, que pegavam em mim com tanta firmeza.
Amarrava com baraços as portas dos armários das panelas e sorria docemente com uma paciência infinita.
Levava-me com ela sempre que ía lavar a roupa perto do moinho do cubo.
Há trinta anos já era velha, sempre a conheci velha, mas com uma força inesgotável.
Agora com 93 o tempo já lhe tirou a genica. Os seus olhos afundados nas rugas marejaram de lágrimas mal me viu e não mais me largou a mão até nos separamos.