A primeira vez que senti um rebentamento pensei que o meu coração ía explodir naquele instante. A actividade no Bunker decorria com a mecânica normalidade de um formigueiro. Alguns escriturários sentados em frente aos respectivos monitores, ligados umbilicalmente aos teclados, outros caminhando apressadamente pelos corredores segurando um monte de papeis na mão, onde seguramente se traçaria o futuro da guerra e da humanidade.
A bomba anuncia a sua chegada com um silvo, primeiro distante, depois na vertigem de um instante tudo paralisa com o estrondo da explosão. O edifício contorce-se até às fundações, as entranhas da terra rugem, o coração dispara durante os cinco segundos em que demoramos a perceber que afinal não estamos mortos. O nó no estômago desfaz-se e um suor gelado escorre pela fronte apavorada do nosso rosto.
Os meus companheiros de abrigo, talvez pela já longa duração da guerra, permanecem imperturbáveis a estas mortes anunciadas. Parecem ter entrado num estado de torpor mecânico, fazendo lembrar um velho motor de barco pesqueiro.
Apesar de inicialmente me ter parecido incompreensível como era possível que aquelas pessoas permanecessem impassíveis face à proximidade do seu fim, acabei por incorporar o mesmo estado letárgico e alienado. A rotina tritura até a tragédia dos acontecimentos mais catastróficas. O que é banal e previsível rapidamente se torna familiar, normal, mesmo que a norma seja o Inferno na Terra. A guerra tornou-se previsível, ao ponto de conseguir planificar ao minuto os rebentamentos dos obuses.
A primeira bomba caía pontualmente por volta das 8h47. Era um rebentamento longo, mas distante. Seguramente atacavam outro dos nossos postos avançados.
O período entre as 11h e as 12h30 era onde se concentravam mais ataques, havia explosões consecutivas, não sendo possível comunicar com ninguém durante largos minutos, a não ser aos gritos. Por volta das 18h23 acontecia a maior explosão e certamente a mais bem direccionada. Todo o edifício estremecia com a força do impacto, prolongando-se por um tempo que pareciam horas.
Por vezes verificavam-se ligeiros atrasos. Esses eram os piores momentos. As previsões falhavam, deixavamos de ter o controlo dos acontecimentos.Qualquer instante poderia ser o último, mas com o arrastar dos meses, até os atrasos se tornaram pontuais.Viviamos o futuro a cada instante.Era proibido fumar.
2 comentários:
Ó B., excelente! Gostei mesmo. Por favor - tens que dar o corpo ao manifesto com mais frequência. Isto de postar só lá de quando em vez, peraí... Vá, mais destas, por favor...
... a ouvir a passar o metro!
A "bomba caiu" neste preciso momento...porém "com o arrastar dos meses" mais uma semana de ausência, torna-se pontual!
Adorei...o post, claro!
Enviar um comentário