terça-feira, fevereiro 27, 2007

Eu quero uma urgência só para mim

Esta coisa de meia dúzia de maluquinhos virem para o meio da rua reivindicar o não encerramento de uma urgência médica é típico do espírito paroquial do nosso Portugalzinho, mas simultaneamente percebe-se que um povo abandonado e tragicamente condenado à codêa e ao frio e sem perspectivas de futuro se revolte quando aparentemente lhe querem agora tirar a saudinha…

Do que se trata é de implementar um novo paradigma para a rede nacional de urgências: Acabar com uma rede gigante de urgências e SAPs mal equipados, com poucos médicos, muitas vezes mal preparados, que atendem meia dúzia de gatos-pingados por dia e concentrar os recursos e os equipamentos em menos locais, com equipas multi-disciplinares, que acumulem a experiência de atender centenas de doentes por dia e como tal prestem um melhor serviço às populações.Este novo sistema pressupõe também que se reforce a rede de médicos de família e os cuidados de ambulatório que resolvem a maior parte das chamadas “urgências”…

Ora, se submetêssemos ao crivo dos rígidos princípios morais dos nossos autarcas e ao douto juízo das nossas tristes gentes esta decisão obviamente que a solução seria criar uma urgência em cada freguesia, porque aqui cada um só olha para o seu quintalzinho, e isto de perder direitos adquiridos dói mais que o reumático…

3 comentários:

jcb disse...

Meu caro, agora não tenho tempo: mas haveremos de falar com tempo do modo como algumas das «modernas» e «inadiáveis» reformas em curso se repercutem no mundo rural. Claro que não se justifica, dum ponto de vista da «economia» e da gestão estratégica dos «recursos», manter uma escola numa aldeia perdida no fim do mundo, que só cinco moços frequentam; como não faz sentido, nessa perspectiva, manter um Tribunal em Boticas (parece que tb. tem os dias contados); como não faz sentido ter uma urgência em Montalegre, para meia dúzia de urgências por noite, se se pode fazer um serviço de urgências a sério em Vila Real; como também não faz sentido ter uma esquadra da GNR em Vidago, quando se podem concentrar esforços e meios em Bragança, e ter uma única esquadra à séria, como nos filmes e nos EUA; como não faz sentido ter uma delegação florestal em Ribeira de Pena, se é possível criar sinergias técnicas e administrativas na sede do distrito. O problema é que o mundo rural vive, vai sobrevivendo, vegeta, assim: com pequenas desconcentrações de serviços, com pequenos serviços de proximidade, com pequeníssimos balões de oxigénio. Sejamos claros: o que está em causa é o modelo de desenvolvimento que pretendemos para o país: se a ideia é o esvaziamento definitivo do mundo rural - estamos no caminho certo; se a ideia é, e eu penso que deveria ser, caminhar no sentido de um sistema de desenvolvimento que privilegia equilíbrios entre o mundo rural e o mundo urbano, enriquecendo-os mutuamente nas afirmações de um e outro, e no sentido da manutenção de sistemas ecológicos que dependem da presença humana e de práticas agrícolas e silvo-pastoris, e de equilíbrios sócio-económicos onde a peri-urbanidade não esmaga nem prostitui o que em nós há ainda de dignidade e capacidade de afirmação de diferenças - então, oh, talvez devamos olhar com mais atenção e respeito estes últimos pindéricos, estes excelentíssimos parvos anacrónicos que se manifestam porque deixam de ter um médico na proximidade ou uma escola, ali ao pé, que lhes trate da educação dos filhos sem os deslocar à Avenida de Roma. É isto que é fundamental, é o que está em causa: sabermos o que queremos duma sociedade que, pelos vistos, e por este andar, em nome da economia e das estratégias de racionalidade económica e funcional, perde a sua identidade rural e simultaneamente perde a sua identidade urbana (acentuando o que há de pior em cada uma delas - destruindo uma por esvaziamento e a outra por sufocação endémica), destruindo, portanto, o que, em cada uma delas, por complementaridade, se constituiria como verdadeiramente sinérgico - transformando-se esta sociedade, por esta exacta via, para onde assim, de forma galopante, caminhamos, numa amálgama de sub-urbanidade e deserto, periferia de centro e indignidade. Talvez compreendas pois que me recuse a ver sem asco os gráficos que demonstram que um centro médico, bem estruturado, desenhado com sentido de estratégia e modernidade, sedeado no Porto, garante melhores cuidados médicos que uma miríade de pequenos centros de saúde espalhados pelo interior: a grávida de Pitões das Júnias, camponesa ou doméstica, e que imprevistamente se vê romperem-se-lhe as águas, está-se, com perdão da expressão, positivamente cagando para a excelência médica da estrutura nova a criar na Avenida dos Aliados se não puder, ainda que deslocando-se de táxi, ter cuidados básicos em Montalegre, com um médico que, embora com reticências na tecnologia ao dispor, possa socorrê-la na hora. Isto que digo, meu caro, não resiste, eu sei, a um draft dos economistas assessores dos ministérios que vivem ali nas Olaias ou nas Avenidas Novas e jantam na Bica do Sapato com as namoradas também muito modernas e muito racionais na exposição das estratégias de desenvolvimento e nos desígnios da modernidade. Eu sei, eu sei. Haveremos de falar disto com mais tempo. Mas lamento - se calhar sou eu que estou a ver mal... - que caias tão apressadamente neste engodo bem embrulhado e tão cuidadosamente montado com recurso a profissionais e eficazes agências de comunicação. É um desabafo. Mas um destes dias hás-de dizer-me, quando estivermos a beber um fino no Arsénio (se o Arsénio nessa altura ainda sobreviver), o que achas de em alguns concelhos do país, neste momento, e em nome desta eficácia reformista e estratégica, não existir já uma única escola senão na sede dos respectivos concelhos. E um abraço, meu, e até breve, que tenho saudades de estarmos a conversar sobre tudo isto e as restantes coisas do mundo em redor dum Pesseguina tinto de 2004...

Anónimo disse...

...Toma lá bolachas... e dizia o JCB que não tinha tempo...

...SUPA...

ladecima disse...

Caro Zé Carlos,

A ideia de concentrar os serviços não é só economicista, pois procura prestar melhores cuidados de saúde às pessoas (penso eu na minha ingenuidade), tese que pelos vistos os gurus lisvoetas sustentam cientificamente: parece que o sucesso das intervenções médicas melhora em quase 50% neste modelo de maior concentração.
Agora, concordo contigo que este modelo não torna estas terras mais atractivas para as pessoas e de alguma forma corre o risco de contribuir para o aumento da desertificação do interior.
Sem dúvida que é necessário criar as condições básicas de saúde, justiça, segurança, educação e infra-estruturas para tornar estas terras apetecíveis e potenciar o seu crescimento, sobretudo a nível educativo, na criação de centros de excelência especializados e direccionados para os factores com maior potencial de desenvolvimento da região. Temos até exemplos internos de sucesso: Aveiro na informática, Braga no textil, Castelo Branco.
Não havendo nenhuma solução perfeita, acho que deveremos introduzir alguma racionalidade económica na discussão caso contrário caímos na solução actual, o que não quer dizer que deva existir um centro de urgências único em Lisboa para o qual canalizamos todos os doentes em helicópteros rápidos...

Um abraço e a segunda rodada pago eu...