terça-feira, abril 12, 2005

O tempo perdido. A ver passar os comboios

Sempre que ia a Chaves com os meus pais, o acontecimento era de grande excitação, uma vez que havia sempre a perspectiva de uma prenda, invariavelmente um carrinho de brincar da matchbox, mas no meu inconsciente nascia sempre o sabor da aventura de ir à cidade, sítio de infindáveis possibilidades e novas experiências.
A minha Mãe lá me arrastava pela rua Direita acima sob a ameaça de um par de bofardos, caso eu não parasse de meter o nariz em tudo.
Havia também os eclairs e os mil-folhas do Aurora, que constituíam mais um delicioso motivo de interesse nestas viagens ao Novo Mundo.
Mas o momento que eu mais aguardava era aquele ponto mágico da viagem, em que a estrada se encontrava com a linha do comboio.
Já tinha decoradas as curvas e contra curvas que antecediam o local. Após passar junto ao café de Curalha, iniciava-se a descida, sendo que a meio aparecia o Tâmega e a ponte ferroviária, que sempre me pareceu incrivelmente estreita. Os carris rompiam abruptamente de um rasgo na rocha da serra em frente, prolongando-se pela ponte, descrevendo depois uma curva apertada para entrar no cais de mercadorias, ao lado da estrada.
A aproximação final era uma longa parabólica, que parecia ter sido assim desenhada para prolongar e aumentar a excitação dos últimos momentos, antes que se avistassem as cancelas e a casinha do guarda.
Todo o espaço-tempo se recurvava para esse momento sublime e ao mesmo tempo assustador em que eu, não contendo a ansiedade ouvia, sentia e finalmente via a grande locomotiva (nos primórdios ainda a carvão) a aproximar-se vagarosamente, miraculosamente sem sair dos trilhos, arrastando os três velhos vagões de madeira.
A desilusão que era sempre que as cancelas estavam abertas...

1 comentário:

Anónimo disse...

"... afinidades e rupturas.
..."chega de saudade"
Porém os transmontanos insistem viver em saudosismos entediantes!
... mas muito bem escritos, diga-se!